domingo, 14 de junho de 2015

De Dalton, 90 anos hoje, para Vilela: o escritor é um monstro moral

Quem tem medo do Vampiro de Curitiba?
Publicado em em 12/06/2015 às 12:27:39 - Atualizado em 12/06/2015 às 13:23:57

Jonatan Silva


     Dalton Trevisan completa 90 anos neste domingo (14). Muito menos misterioso que Elena Ferrante e mais discreto que Rubem Fonseca, o escritor curitibano carrega consigo a imagem de outsider literário. Em tempos de feiras e festivais literários ao redor do mundo, Dalton parece se manter incólume à exposição exagerada, tentando preservar a si e à sua obra.
Durante a entrega do prêmio Portugal Telecom em 2007, honraria à qual não compareceu, o Vampiro de Curitiba disse – por meio de uma representante – que a figura do autor pouco importava e que o que realmente valia era o livro. E não estava errado. A sua reclusão só vem a confirmar essa espécie de lema literário que o escritor leva consigo há tantos anos.
     Figura importante da literatura paranaense, o autor de A Polaquinha (1985) eNovelas nada exemplares (1959) criou a revista Joaquim que circulou entre 1946 e 1948 e acabou justamente por fazer sucesso demais. As histórias sobre o fim da revista são as mais diversas – e divertidas – inclusive de que, após receber um elogio público do Deputado Gilberto Freyre, Dalton teria se enfurecido e encerrado as atividades.

Ulisses em Curitiba

     A 21ª e última edição da Joaquim, publicada em dezembro de 1948, trazia a primeira parte do conto “Ulisses em Curitiba” e anunciava que a revista de número 22 teria a conclusão do texto. Ainda assim, o criador não poupou a criatura e a decepou. Com o fim da revista, o conto ficou sem final.
A derradeira edição tinha também um anúncio do livro Sete anos pastor (1948), obra que o próprio autor fez questão de esquecer.

         Uma das raras vezes em que Dalton 'se deixou'
                    fotografar. Foto: Reprodução.


Pequenos demônios

      A literatura de Dalton Trevisan é a literatura da carne. Joões e Marias. Balas Zequinhas. Rio Belém. Cenários e personagens se repetem vertiginosamente em uma prosa lapidada e esculpida pelo minimalismo obsessivo e perfeccionista do Vampiro. É impossível não notar o cotidiano da gente simples de Curitiba.
        O retrato é fiel, mas não é bem esse o universo do escritor. Morando há muitos anos na mesma casa no Alto da Glória, Dalton pode ser visto pelas ruas próximas – e até cruzando a XV de Novembro – praticamente invisível, mas não qualquer amigo que o tenha encontrado nos locais mais sujos da cidade.
     Essa ‘distância’ explica o susto da família do autor ao ler seus primeiros contos. Quando perguntado por Luiz Vilela, em 1968, se seus irmãos liam o que escrevia, o curitibano disse que sim, mas que preferia que não o fizesse. “Eles devem pensar: como uma pessoa educada com carinho, nos melhores sentimentos, se tornou esse monstro moral?” [Outras informações, aqui, aqui e aqui].
        Para o jornalista e escritor Edilson Pereira, Dalton revela a realidade dos “pequenos demônios de Curitiba, pessoas que os demais olhavam e não enxergavam”.

Universal

       Curitiba é somente a plataforma, uma parte da literatura daltoniana - já traduzida na Alemanha, na Holanda, na Argentina e Estados Unidos.
     “Dalton não é curitibano, ele é brasileiro. Diria até que ele é latino-americano ou universal”, comentou Pereira e completa: “Dalton é um dos raros escritores originais”. O jornalista comenta que grandes escritores, como Kafka, Joyce e Borges. são lembrados por sua literatura pessoal.

       O escritor Marcos Peres, autor de O Evangelho segundo Hitler, coloca Dalton como um soberano das palavras, “um altar, tão fugidio e não comprovável quanto qualquer postulado religioso”. Na sua visão, a Curitiba de Dalton é um contraponto à imagem de cidade sorriso e ecológica que transborda nos comerciais.

      “A Curitiba organizada, modelo, dos shoppings e das férias, de repente, virava uma cidade escura, hermética, violenta, permeada de vampiros notívagos, de encontros furtivos, de pontes sem rio por baixo e de lambaris do rabo dourado. Dalton, como outros gigantes, mostrou-me a possibilidade de ser espectador e ouvinte, testemunha e recriador de seu povo, de sua gente, de sua cidade”, comentou.

Jonatan Silva é formado em Jornalismo e apaixonado por literatura e cinema.
Escreve sobre o hábito neurótico e pouco ortodoxo de ler.

Publicado originalmente aqui.



Um comentário:

  1. Interessante texto!
    Mas queria ler algo mais sobre a relação de Vilela e Trevisan.

    abs Rauer!

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